"Quase nula é a compreensão de Macabéa a respeito da existência,
seja a sua, seja a da humanidade em geral. Normalmente, ela age como uma
mentecapta: pede desculpas ao patrão por tê-lo aborrecido quando este se dispõe
a demiti-la; agradece ao médico que lhe diagnostica a tuberculose e quando este
ironicamente lhe receita espaguete, ela ignora o que seja isso; e no momento em
que o namorado, Olímpico, lhe dá o fora, põe-se sem mais nem menos a rir.
Nada a desespera, nem saber que não faz falta a ninguém ou que é muito feia e
desinteressante. (“Ser feia dói?”, pergunta-lhe Glória.). Tampouco o
futuro a preocupa, ela não tem futuro como não tem passado, nem presente,
porque na verdade ela não existe, ela é como um vegetal".
por Marcel Moreno
A hora da estrela
é um filme de Suzana Amaral, que deu vida cinematográfica a um clássico da literatura
brasileira, criado por Clarice Lispector. Vencedor de vários prêmios como
prêmio de melhor atriz do Festival de Berlim (1986), melhor direção do Festival
Internacional Creteil (1986), entre outros vários prêmios nacionais. Suzana foi
feliz em ter escolhido esta obra para adaptar para o cinema, uma vez que este é
um dos únicos livros de Clarice que ela retrata com perfeição a vida de uma
retirante simples, analfabeta e virgem, que vai para uma cidade grande em busca
de oportunidade, este ultimo não necessariamente é explícito no filme como o caso
de Macabéa, mas uma característica bem comum a este povo sofredor, que
desistindo de viver em sua terra natal por problemas sociais, se vê obrigado a
fazer esta migração com todos os percalços existentes. A atriz que interpretou
o papel parece ter nascido para sê-la. Suas características e seus rosto
triste, frágil e humilde e ao mesmo tempo instigante, misterioso e expressivo,
dão um ar especial a personagem, como se ela tivesse saído dos livros para as
telas. A diretora brasileira, diz que misturou tudo que aprendeu estudando
cinema nos Estados Unidos, com tudo que ela leu sobre Clarice Lispector fora do
país. Em suas flexões sobre a obra, ela descobriu Clarice, uma escritora
nascida na Rússia e radicada no Brasil, em terras internacionais. Assim o filme
não é 100% Clarice e nem 100% Suzana, seria uma mistura artística.
Macabéa era uma
personagem simples, humilde, não sabia ler direito, ingênua e ainda
inexperiente nos prazeres da carne, que para ela era na verdade zero. Ela pede
desculpas por tudo como se tudo fosse por sua culpa. pede desculpas por
existir, quando na verdade o fato de ela ser quem é não seria fruto da
sociedade? Da sua criação? Das suas experiências? Da sua falta de raciocínio? Não
sabemos. Ela não tem um papel na sociedade, ela não usa uma mascara. Ela é tudo
quando não é nada. Ela nem esta lá para servir alguém e nem sabe o por quê está.
Ela simplesmente existe ... ou não.
A sociedade era
uma controvérsia do que era Macabéa. Na cena que a amiga extorque dinheiro de
um homem por conta de uma gravidez, vemos um contraste do que é macabéa,
simples, sem entender, sem pretensões, sem maldade, longe das perdições do
mundo. Quando sua amiga Glória pede para sair mais cedo para sair com um homem,
ela faz o mesmo. Mas ela não tira o dia de folga para favorecer a si mesma, ela
tira o dia para sonhar. Essa era forma como ela acreditava que estava tirando
proveito da vida. Não estava adquirindo nada, mas estava sendo ela mesma,
experimentando um pouco o que os outros tinham e ela não.
A nossa
personagem queria atenção. Deseja isso inconscientemente. Sempre que alguém
estava olhando-a, ela achava que era para ela, talvez fosse uma oportunidade de
ser notada, que lhe causava uma súbita
felicidade, e depois notava que não era, era apenas um segurança zelando pelas
regras de um transporte público ou um homem cego olhando para o nada, o nada
que poderia ser ela, mas não era. Ela era invisível até para os que enxergavam,
sendo ignorada até mesmo no meio de uma conversa sobre futebol.
Macabéa tinha uma
relação intrigante com a beleza. Ela fazia suas próprias unhas para si, e não
tomava banho porque seu cheiro não a incomodava, nem sequer percebia. A cena
dela comendo um pão sem colocá-lo inteiro na boca, uma cena feia, que para ela
não representava nada, talvez porque não devesse mesmo representar nada. Outro
ponto é que ela não via beleza em Olimpico. Não era isso que ela procurava.
Talvez fosse sua beleza feia com uma feiúra bela que atraia sua atenção, e
também o fato de que ninguém era capaz de dar o mínimo de atenção a ela. Ele
também não dava, mas o fato de ele se dispor a passar alguns momentos com ela,
seria o necessário para que imaginasse que recebia afeto de alguém. Ele era na
verdade a única oportunidade. Ela via beleza em momentos da vida que nós, seres
deste mundo, não vemos. Ela gostava de passear no metrô, ela gostava do barulho
do relógio e - Até de parafuso! -
dizia ela. Ela mesma não era feia porque não tinha beleza física, era feia
porque não tinha as características que o mundo exigia dela, mundo este que ela
não acreditava que pertencia, ela sequer se reconhecia como gente, dizia não
estar acostumada.
Macabéa parecia
estar em outro tempo. Ninguém a entendia e ela por sua vez não entendia ninguém,
e não tinha vontade de. Suas questões não tinham respostas para Olimpico,
pessoa que ela se reportava quando queria entender algo, estavam perdidas no tempo
e espaço. Ela simplesmente não se encaixava. Ela simplesmente não entende sua
importância enquanto unidade social. Talvez ela pensasse que não merecia nada.
Ela ainda não tinha passado pelo processo de auto descobrimento, nem ela mesmo
sabia quem ela era.
Quando da sua
morte, é chagado o momento. Era a hora que ela se tornaria o centro. Quando ela
seria o centro do universo, quando o movimento de translação fosse em relação a
ela. Todos os holofotes estariam voltados para o seu corpo. Todas as atenções mais
desejadas seriam suas. Todos se voltariam para ela. Agora ela poderia sonhar. Poderia
ser quem ela queria no mundo que era só dela. Chegou seu momento, o seu sangue
lhe deu destaque, o acidente seu momento. Seu momento de brilhar. É chegada a
hora. Era A HORA DA ESTRELA.
Título Original: A hora da Estrela
Ano de Lançamento: 1985
Direção:
Suzana Amaral
o livro é fantastico...preciso ver o filme, apesar de sempre me decepcionar.Clarice é fantastica,e nos leva a universos distantes !
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