18 de dez. de 2011

A HORA DA ESTRELA (1985)




"Quase nula é a compreensão de Macabéa a respeito da existência, seja a sua, seja a da humanidade em geral. Normalmente, ela age como uma mentecapta: pede desculpas ao patrão por tê-lo aborrecido quando este se dispõe a demiti-la; agradece ao médico que lhe diagnostica a tuberculose e quando este ironicamente lhe receita espaguete, ela ignora o que seja isso; e no momento em que o namorado, Olímpico, lhe dá o fora, põe-se sem mais nem menos a rir. Nada a desespera, nem saber que não faz falta a ninguém ou que é muito feia e desinteressante. (“Ser feia dói?”, pergunta-lhe Glória.). Tampouco o futuro a preocupa, ela não tem futuro como não tem passado, nem presente, porque na verdade ela não existe, ela é como um vegetal".

por Marcel Moreno

                A hora da estrela é um filme de Suzana Amaral, que deu vida cinematográfica a um clássico da literatura brasileira, criado por Clarice Lispector. Vencedor de vários prêmios como prêmio de melhor atriz do Festival de Berlim (1986), melhor direção do Festival Internacional Creteil (1986), entre outros vários prêmios nacionais. Suzana foi feliz em ter escolhido esta obra para adaptar para o cinema, uma vez que este é um dos únicos livros de Clarice que ela retrata com perfeição a vida de uma retirante simples, analfabeta e virgem, que vai para uma cidade grande em busca de oportunidade, este ultimo não necessariamente é explícito no filme como o caso de Macabéa, mas uma característica bem comum a este povo sofredor, que desistindo de viver em sua terra natal por problemas sociais, se vê obrigado a fazer esta migração com todos os percalços existentes. A atriz que interpretou o papel parece ter nascido para sê-la. Suas características e seus rosto triste, frágil e humilde e ao mesmo tempo instigante, misterioso e expressivo, dão um ar especial a personagem, como se ela tivesse saído dos livros para as telas. A diretora brasileira, diz que misturou tudo que aprendeu estudando cinema nos Estados Unidos, com tudo que ela leu sobre Clarice Lispector fora do país. Em suas flexões sobre a obra, ela descobriu Clarice, uma escritora nascida na Rússia e radicada no Brasil, em terras internacionais. Assim o filme não é 100% Clarice e nem 100% Suzana, seria uma mistura artística.


                Macabéa era uma personagem simples, humilde, não sabia ler direito, ingênua e ainda inexperiente nos prazeres da carne, que para ela era na verdade zero. Ela pede desculpas por tudo como se tudo fosse por sua culpa. pede desculpas por existir, quando na verdade o fato de ela ser quem é não seria fruto da sociedade? Da sua criação? Das suas experiências? Da sua falta de raciocínio? Não sabemos. Ela não tem um papel na sociedade, ela não usa uma mascara. Ela é tudo quando não é nada. Ela nem esta lá para servir alguém e nem sabe o por quê está. Ela simplesmente existe ... ou não.

                A sociedade era uma controvérsia do que era Macabéa. Na cena que a amiga extorque dinheiro de um homem por conta de uma gravidez, vemos um contraste do que é macabéa, simples, sem entender, sem pretensões, sem maldade, longe das perdições do mundo. Quando sua amiga Glória pede para sair mais cedo para sair com um homem, ela faz o mesmo. Mas ela não tira o dia de folga para favorecer a si mesma, ela tira o dia para sonhar. Essa era forma como ela acreditava que estava tirando proveito da vida. Não estava adquirindo nada, mas estava sendo ela mesma, experimentando um pouco o que os outros tinham e ela não.

                A nossa personagem queria atenção. Deseja isso inconscientemente. Sempre que alguém estava olhando-a, ela achava que era para ela, talvez fosse uma oportunidade de ser notada,  que lhe causava uma súbita felicidade, e depois notava que não era, era apenas um segurança zelando pelas regras de um transporte público ou um homem cego olhando para o nada, o nada que poderia ser ela, mas não era. Ela era invisível até para os que enxergavam, sendo ignorada até mesmo no meio de uma conversa sobre futebol.

                Macabéa tinha uma relação intrigante com a beleza. Ela fazia suas próprias unhas para si, e não tomava banho porque seu cheiro não a incomodava, nem sequer percebia. A cena dela comendo um pão sem colocá-lo inteiro na boca, uma cena feia, que para ela não representava nada, talvez porque não devesse mesmo representar nada. Outro ponto é que ela não via beleza em Olimpico. Não era isso que ela procurava. Talvez fosse sua beleza feia com uma feiúra bela que atraia sua atenção, e também o fato de que ninguém era capaz de dar o mínimo de atenção a ela. Ele também não dava, mas o fato de ele se dispor a passar alguns momentos com ela, seria o necessário para que imaginasse que recebia afeto de alguém. Ele era na verdade a única oportunidade. Ela via beleza em momentos da vida que nós, seres deste mundo, não vemos. Ela gostava de passear no metrô, ela gostava do barulho do relógio e - Até de parafuso! - dizia ela. Ela mesma não era feia porque não tinha beleza física, era feia porque não tinha as características que o mundo exigia dela, mundo este que ela não acreditava que pertencia, ela sequer se reconhecia como gente, dizia não estar acostumada.

                Macabéa parecia estar em outro tempo. Ninguém a entendia e ela por sua vez não entendia ninguém, e não tinha vontade de. Suas questões não tinham respostas para Olimpico, pessoa que ela se reportava quando queria entender algo, estavam perdidas no tempo e espaço. Ela simplesmente não se encaixava. Ela simplesmente não entende sua importância enquanto unidade social. Talvez ela pensasse que não merecia nada. Ela ainda não tinha passado pelo processo de auto descobrimento, nem ela mesmo sabia quem ela era.

                Quando da sua morte, é chagado o momento. Era a hora que ela se tornaria o centro. Quando ela seria o centro do universo, quando o movimento de translação fosse em relação a ela. Todos os holofotes estariam voltados para o seu corpo. Todas as atenções mais desejadas seriam suas. Todos se voltariam para ela. Agora ela poderia sonhar. Poderia ser quem ela queria no mundo que era só dela. Chegou seu momento, o seu sangue lhe deu destaque, o acidente seu momento. Seu momento de brilhar. É chegada a hora. Era A HORA DA ESTRELA.


Título Original: A hora da Estrela
Ano de Lançamento: 1985
Direção: Suzana Amaral

Um comentário:

  1. o livro é fantastico...preciso ver o filme, apesar de sempre me decepcionar.Clarice é fantastica,e nos leva a universos distantes !

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