"Nesta perspectiva, o cinema vem a ser a consecução no
tempo da objetividade fotográfica.
O filme não se contenta mais em mostrar para
nós o objetivo lacrado no instante, como no âmbar o corpo intacto dos insetos de
uma era extinta, ele livra a arte barroca de sua catalepsia convulsiva.
Pela
primeira vez, a imagem das coisas é também a imagem da duração delas, como que
uma múmia da mutação".
Livro: A experiência do cinema. Ismael Xavier. P 126.
O
que seria de um país ao término de uma guerra? Como seria sua população? Em que
condições viveram? E se este país fosse a Alemanha após o fim da Segunda Guerra
mundial? Você conseguiria imaginar com imagens? Esse era justamente a proposta
do neo realismo italiano, colocar você o mais próximo possível dos fatos reais.
Em ALEMANHA, ANO ZERO", Roberto Rossellini parte do pressuposto que seu
trabalho agora era o de mostrar a realidade em filme, retratando o situação da
Alemanha no pós guerra, assim como fez em ROMA CIDADE ABERTA (1945), e agora
nada e nem ninguém escapa a sua lente. Vamos de prédios destruídos a moradias
precárias, de pobreza e fome ao abuso praticado por outros, da deterioração da juventude,
da falta de esperança e da desgraça que perdura na Alemanha do Führer. Se
outrora era desenvolvida e poderosa, agora terá que se reconstruir do zero, e é
ai que surge a ideia do título, uma vez
que a Alemanha destruída teria que se reinventar.
Rossellini
conta aqui a história de Edmund. um garoto vitima do seu passado, que se vê
obrigado a abandonar sua infância atrás de trabalho
para poder ajudar seu pai doente, sua irmã e seu irmão que não pode se
apresentar a policia e conseguir autorização para trabalhar com medo de ser preso
porque estava no exército de Hitler, a se alimentar e a sobreviver. Com isso,
ele vai tendo contato com um mundo diferente onde é denunciado os jovens que se
submetem a prostituição para conseguir dinheiro, adolescentes que roubam para
ter algo, abuso sexual de menores de idade e com o que sobrou dos valores nazistas.
Apesar dos seu arrependimento e suas vontades repentinas de ser criança, Edmund
se deixa guiar pela razão, pela frieza, por questões que não aprendeu ainda,
sucumbindo seus valores e deixando nascer dentro de si um homem que não tem
maturidade para tomar decisões.
As
imagens reais gravadas dentro da própria Alemanha destruída, é a possibilidade
que temos de presenciar mais de perto a situação do país. Temos por Rossellini
quase que um álbum de história, com imagens e sentimentos. Assim como o trecho
do inicio do texto, a fotografia da Segunda Guerra não está parada no tempo, e
menos ainda limitada a imaginação e criatividade de um diretor, ela está em
movimento abordando todos os ângulos do que restou de Berlin, desde tijolos em
ruínas até a ruína da própria moral do homem alemão. Uma das imagens mais
bonitas do filme, e sem dúvida a mais chocante, é a que o diretor consegue
reunir a nova e a valha geração, com um fundo visual de destruição e a voz de
Hitler inflando as esperanças dos alemães. Se a realidade pode ser esquecida no
pensamento, aqui, unida com a arte, deixa uma amarga e angustiante recordação
do que pode ser o nosso futuro se agirmos inconscientemente.
Se a
realidade é algo que dói, ALEMANHA, ANO ZERO é uma facada que marca, que
mutila, para que nunca nos esqueçamos do que talvez não tenha sido o maior
massacre do mundo, mas que com certeza foi o mais frio, o mais egoísta e
impiedoso. Na Alemanha depois de Hitler, o problema não era mais ser perseguido
pela morte, o problema da herança deixada por Hitler era estar vivo para
sofrer, era se manter vivo de corpo e morto de alma. Talvez a morte da
esperança germânica deformada por ela mesma, seja a morte definitiva das velhas
ideias, dos velhos valores. Ou não.
Título Original: Germania, Anno
Zero
Título no Brasil: Alemanha,
Ano Zero
país de origem: Italia
Ano de Lançamento: 1948
Direção: Roberto
Rossellini
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