A sociedade foi criada para alem de manter a organização, garantir também os
diretos e os deveres de todos os cidadãos, delegando a um representante
escolhido por todos, para prover segurança e todas as regras necessárias para o
bom funcionamento de tudo como um todo. O fato é que estamos todos vivendo em
sociedades capitalistas dominadoras e, sobretudo machistas, e quando esta
realidade sofre com a influência da religião muçulmana, ainda se torna mais
difícil para as classes desprovidas de justiça.
Cairo
678 conta a história de três mulheres que ficam indignadas com a sociedade
egípcia, uma vez que abusadas sexualmente na maioria das vezes dentro de
coletivos super lotados, não tem o direito de fazer denuncias. Nelly, Fayza e
Seba são mulheres que sofreram abusos no passado, e enfrentam, cada uma do seu
jeito, e mesmo que radicalmente, para garantir sua maior vitória: justiça respeito
para todas. Com ou sem apoio da sociedade ou de seus maridos, enfrentam uma
sociedade preocupada mais com a imagem que irá passar e acomodada com os
costumes, e ao mesmo tempo cega pela crença nos valores que acredita estar
presente em todos os homens egípcios, para exigirem seus direitos a dizer não a
qualquer ato com seus corpos (e vale ressaltar que de acordo com a religião
muçulmana, uma mulher não pode ser tocada por outro homem que não seja seu
marido).
Este
filme faz diversas denuncias cabíveis para mostrar ao contemplador a face real
da sociedade egípcia, levantando questões acerca do que queremos para o nosso
futuro. A proibição da denúncia, apesar do argumento de que esse ato feriria a
moral da família da mulher, está preocupada mesmo com a imagem que o Egito vai ter.
Seria inaceitável que homens do Egito que todos nós conhecemos pelas belezas e
história pelo mundo todo, sejam capazes de abusar sexualmente de mulheres indefesas,
dentro de coletivos super lotado, somente para satisfazer seus “impulsos
carnais incontroláveis”, abusar destas que por costumes religiosos ou espaço na
sociedade, pouco podem fazer por si mesmas já que ocupam um papel de extrema subjugação
dentro do espaço coletivo ou dos seus lares. Alem destas o transporte precário,
a falta de oportunidade, as injustiças por parte das próprias leis, das
indiferenças dos órgãos públicos como a polícia e as injustiças dos costumes
enraizados nas suas bases, compõe todo o arsenal de indignações que um cidadão
digno pode ter. Aqui se faz a real arte cinematográfica mobilizando populações
e levantando questões necessárias e escondidas na moralidade das pessoas e que
suplicam por uma solução.
O
roteiro do filme é impecável, com frases fortes e mobilizantes, capazes
realmente de deixar indignado a qualquer um que tenha um senso mínimo de
justiça. Alem dos momentos dramáticos, temos uma mostra de um stand up, que tem
como foco fazer graça da realidade humilhante que passamos, que ao mesmo tempo
em que nos faz rir, nos deixa impressionados com momentos de quase desespero de
uma personagem que quase nada pode fazer diante de tamanha indiferença de uma
plateia que está presente no cenário das injustiças. O roteiro todo trabalha com
as possibilidade de visões familiares, a reação dos maridos em aprovar ou não
os atos de indignação e as manifestações como um todo que forma a sociedade em
geral, o que enriquece ainda mais o filme com amostras da cultura local e suas
diretrizes.
Cairo
678 vai alem das películas e grita quase como uma suplica por justiça. Longe de
parecer algo não familiar a nossa sociedade ocidental, os acontecidos esbarram
em cultura, família, costumes, religião, alem claro da formação de cada um, dos
seus próprios valores, de suas crenças e atribuições, abrindo assim um leque de
possibilidades de raciocínio, dando base sólida para um debate sobre o assunto.
Cario 678 não é um assunto restrito ao Egito. Vários casos acontecem em todos
os lugares no mesmo nível que todos consideram “uma bobagenzinha”, mas que tem
caráter sim de abuso sexual. Cairo 678 é mais que um grito por direitos, é um
grito por justiça!
Título
original: 678
Título no
Brasil: Cairo 678
Ano de
lançamento: 2010
País de
origem: Egito
Diretor:
Mohamed Diab
Certamente o filme retrata o assédio e o desrepeito as mulheres de maneira impressionante, nos fazendo refletir sobre o quanto somos arcaicos no que se refere as questões relacionadas aos gêneros, quer seja no Oriente ou no Ocidente.
ResponderExcluirBela crítica!
Fabio Orsi
Às vezes eu me pergunto como a nossa sociedade consegue manter e se orgulhar de um título tão contemplativo como CIVILIZAÇÃO. É sério. Ao ler o seu texto (e embora ainda não tenha visto o filme) muitas coisas se tornam claras para mim, da abordagem política e teor, não feminista, mas humano, que traz à tona aqueles valores considerados obsoletos. Mais uma vez, parabéns pela ótima abordagem Marcel. O texto faz jus ao poder do filme, agora preciso ter a minha propria experiência com ele.
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